Os Açorianos
Em meados do século XVIII o arquipélago de Açores, constituído por nove ilhas, encontrava-se super povoado o que levou o governo de Portugal a optar pela evacuação de parte de sua população. Em 1750 o governo português celebrou com a Espanha o Tratado de Madri permutando a Colônia de Sacramento pelo território dos Sete Povos das Missões. A retirada dos religiosos e dos índios da região missioneira ensejou a necessidade de um novo povoamento. Gomes Freire de Andrada, governador do Rio de janeiro, foi encarregado da logística para transferir um número de famílias açorianas do Porto do Desterro, atual Florianópolis – SC, para as Missões. Em conseqüência, foi destacada uma tropa para o Porto de Viamão a fim de construir barcos que levariam esse povo pelo rio Jacuí até a região de Rio Pardo, para de lá seguirem por terra.
No Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul encontra-se o Processo de Prestação de Contas de Cristóvão Pereira de Abreu, Coronel responsável pela demarcação do Tratado de Madri (1750) que faz referência a um documento de Matheus de Camargo e Siqueira sobre esse assunto:
“Fico entregue de 60 pessoas que consta da lista acima, todos com suas armas e assim mais oito machados, sete facões, dois caldeirões e cinco tachos, dois surrões de bala e um dito de munições que de tudo darei conta como também de um barril de pólvora encapado e outro encestado o que recebi do Coronel Cristovão Pereira de Abreu.
Margem do Rio de Viamão, 23 de novembro de 1752 (ass) Matheus de Camargo e Siqueira”
O historiador Clovis Silveira de Oliveira, em seu livro A Fundação de Porto Alegre – Dados Oficiais (1987, p.46) conclui que o grupamento urbano de Porto Alegre tem origem no arranchamento da tropa do coronel Cristóvão Pereira “aportada às margens do Rio Viamão, em 19 de novembro de 1752, em terras de Jerônimo de Ornelas, no trecho de uso público por ser margem de rio navegável (1/2 légua), aos quais se juntaram, a seguir, os casais açorianos e madeirenses chegados da Ilha de Santa Catarina, com destino às Missões. Os planos de levar os casais às Missões tiveram que ser alterados de vez que os padres jesuítas opondo-se à entrega dos Sete Povos, com a reação levada a efeito pelos índios, resultou na intervenção armada”
As famílias que ficaram no Porto de Viamão construíram seus ranchos ao longo da praia do lado norte da península, mais precisamente da “Volta do Gasômetro até a “Praça da Alfândega”, onde era mais protegido dos ventos do lado sul e porque ali a costa era mais profunda, o que permitia navegabilidade e facilitava a localização dos estaleiros. Tem-se então que a Rua da Praia é a mais antiga das ruas de Porto Alegre. Dessas pequenas e improvisadas chácaras, cujos fundos dariam pelas atuais ruas Riachuelo, Duque de Caxias e Alto da Bronze, surgiriam os primeiros habitantes do lugar…” 1
Jerônimo de Ornelas, o primeiro dono das terras onde os açorianos foram instalados, desgostoso, mudou-se para a Freguesia de Triunfo em 1757 e vendeu a Sesmaria de Santana para Inácio Francisco de Melo em 1762, cujas terras foram desapropriadas para serem repartidas entre os açorianos e para que no Alto da Praia fossem traçadas as primeiras ruas da cidade.2
O capitão de infantaria Alexandre José Montanha foi convocado para demarcar as datas e traçar as primeiras ruas, conforme documento assinado por Antonio da Veiga Andrade, Tenente Coronel Governador Substituto:
“O Capitão de Infantaria, com exercício de engenheiro, Alexandre Jose Montanha, passe, sem perda de tempo, ao Porto chamado Dos Casais e hoje de São Francisco e, nas terras da Estância de Inácio Francisco, faça a divisão de sessenta meias datas para outro igual número de casais, os quais já se acham moradores do dito Porto de São Francisco, sendo a meia data que compreender as casas da Estância com seu pomar, para Passais do Vigário da Freguesia, tendo-se também atenção aos marinheiros que se tem empregado no serviço de Sua Majestade para serem acomodados, deixando-se suficiente terreno para logradouros da Vila, e lhe nomeio para seu ajudante o Cabo de Esquadra dos Escolhidos Ventura de Carvalho e Souza, e que o dito Capitão executará por ser conforme a ordem do Ilmo e Excelentíssimo Senhor Marquês e Vice Rei do Estado sobre essa matéria. Viamão, 12 de julho de 1772 – ANTONIO DA VEIGA ANDRADE – Tenente Coronel Governador” 3
Em primeiro de agosto de 1772 foi distribuído a cada uma das famílias açorianas um certificado de posse da sua respectiva data, conforme registra o texto:
“No dia 1º de agosto desse mesmo ano o Capitão Montanha começava a distribuir a cada família um certificado individual no qual dava posse da respectiva data. (…) Certifico que, em virtude da Ordem do Ilustríssimo e Excelentíssimo senhor Marquês do Lavradio, Vice Rei do Estado, expedida pelo senhor Tenente Coronel Governador deste Continente, Antonio da Veiga Andrade (…) passei ao terreno místico do Porto de São Francisco dos Casais e nele medi, demarquei e entreguei a (…) uma área superficial de duzentas e oitenta e um mil duzentas e cinquenta braças quadradas compreendidas em figura de retângulo que tem o comprimento de norte as sul mil braças e de leste a oeste que é a largura, duzentas e oitenta e uma braças, e para constar lhe passei o presente por mim assinado em (…) Quartel em Viamão, 1º de agosto de 1772 – Alexandre José Montanha” 4
Em entrevista a Antonio Hohlfeldt, Luiz Antonio de Assis Brasil, autor do romance “Um quarto de légua em quadro” afirma:5
“O açoriano foi o elemento que realmente moldou o caráter do gaúcho”
“Havia os degredados, os paulistas, os contrabandistas. Todos eram gente sem raízes, sem nada. O açoriano, contudo, não. É um tipo mais tranqüilo, dedicado à agricultura, distante do gado. Quando eles chegam aqui, encontram outro elemento já estabilizado. Mas com o contato estabelecido, na sua pequena propriedade, contrastando com a grande extensão de território da campanha, as coisas vão mudando gradativamente”.
As primeiras grandes distâncias estavam aí nesta região de colonização já mais antiga, oriunda de velhos troncos paulistas do século XVI. O resto da campanha era mais espanhol do que português, segundo o escritor. Missões eram a Espanha. O povoamento açoriano, porém, foi do litoral pelo Jacuí adentro, e com os tratados políticos deste século XVIII, entram em direção ao Alto Uruguai. Dá-se então o contato. (…)
No entanto, as zonas mais castiças que temos foram ficando para trás, a hoje são as áreas de maior pobreza econômica e social, como Santo Antonio, Gravataí, Viamão, formando um polígono em volta de Porto Alegre, decorrência direta do tipo racial único, sem fusão, que aí permaneceu. O alemão, e mesmo o italiano traziam outro aprendizado de amanho da terra. A ocupação da chamada campanha gaúcha era rarefeita por serem as sedes de estâncias muito distanciadas, graças a instituição da sesmaria. Por outro lado, as primeiras fixações de portugueses na região eram fugazes, as famílias quase sempre permaneciam em São Paulo mesmo, os homens é que vinham para cá, algumas até morrendo por aqui. Uma exceção foi justamente Jerônimo de Ornellas, que embora tenha vindo de início sem a família, dando início ao núcleo populacional desta área.
O Monumento aos Açorianos, construído em 1973, homenageia a chegada dos 60 casais de açorianos a Porto Alegre (antigo Porto dos Casais), em 1752. A obra possui 17 m de altura por 24 m de comprimento. Feito em aço, em linhas futuristas, obra do escultor Carlos Tenius, lembra uma caravela, composta de corpos humanos entrelaçados, tendo à frente uma figura alada que lembra o mitológico Ícaro e representa a Vitória.6
FONTE
Oliveira, Clovis Silveira, Porto Alegre A Cidade e Sua Formação 2ª Ed (1993) 1 p.41, 2 p.49, 3 p.49, 4 p.50-51
5 http://www.laab.com.br/entrevistas.html
6 http://www2.portoalegre.rs.gov.br/vivaocentro/default.php?reg=12&p_secao=118