A Praça Brigadeiro Antônio Sampaio
O Largo da Forca
Na pacata e bucólica Porto Alegre dos anos 30 do século XIX, tinha vez um espetáculo de horror capaz de mexer com os nervos da Província (…). No dia da execução, formava-se o funesto cortejo que o conduziria ao patíbulo. Ladeado por um sacerdote (…) e por um meirinho (…) o condenado (…) era conduzido (…) até chegar ao local da forca.
Landro Oviedo
Av. Pres. João Goulart, 250 – Centro Histórico – Porto Alegre/RS
No início da Rua da Praia, equidistante de uma tríade de relevante valor histórico para a cidade: o Museu do Trabalho, a Usina do Gasômetro e a Igreja das Dores – existe um recanto que acolhe distintas lembranças do passado. A Praça Brigadeiro Antônio Sampaio, reurbanizada em 1965, foi conhecida no passado como Ponta das Pedras, Largo da Forca, Praça do Arsenal e Praça da Harmonia, Praça Martins Lima e Praça Três de Outubro.
Praça Brigadeiro Antônio de Sampaio
O Largo da Forca
Segundo o historiador Sergio da Costa Franco “o primeiro padecente no patíbulo foi o africano Joaquim, de nação Mina, escravo de Joaquim Machado Leão, que matara a mãe de seu senhor, Maria Joana do Nascimento Leoa. Cumpriu-se, na oportunidade, a horrorosa determinação da Junta, de ser exibida ao público a cabeça decepada do condenado. Seguiram-se, no ano de 1822, outras seis execuções, sendo três de escravos e três de homens livres, um dos quais o soldado branco Joaquim José Fagundes, cujo suplício causou uma comoção da cidade, exigindo medidas cautelares de segurança entre a tropa. Dois escravos foram enforcados em 1826, outros três em 1829. Em 1830, o Código Criminal do Império, derrogando em parte a legislação tirânica do Livro V das ordenações Filipinas, reduziu a incidência da pena de morte, embora não a abolisse, o que só aconteceu com o advento da República. (…) As últimas execuções de pena máxima, atingindo a três sentenciados, aconteceram em 3 de novembro de 1857.”
Sérgio da Costa Franco cita o cronista Antônio Álvares Pereira Coruja, segundo o qual, a forca “era habitualmente erguida na Praia do Arsenal, no lugar que ficou conhecido como Largo da Forca, depois Praça da Harmonia e hoje Brigadeiro Sampaio.” Costa Franco conclui que, a partir de 1834 a forca não teve locação determinada. As execuções eram realizadas com grande pompa, acompanhadas por tropa militar, juiz, oficiais de Justiça, sacerdotes e irmãos da Santa Casa de Misericórdia, sendo que estes últimos recolhiam o cadáver do padecente. Missa na Igreja Nossa Senhora das Dores precedia a consumação do suplício.
O jornal Correio do Povo, de 03 de novembro de 2005, página 4, publicou artigo de Landro Oviedo
Na pacata e bucólica Porto Alegre dos anos 30 do século XIX, tinha vez um espetáculo de horror capaz de mexer com os nervos da Província e da civilização. Cerca de duas dezenas de negros transgressores tiveram as parcas vidas abreviadas pela forca no lugar hoje conhecido como Praça da Harmonia. Uma demão na história para expiar culpas.
Uns dias antes do trágico evento, o Largo da Forca, então um extenso capinzal, era limpo e preparado. O infeliz ficava sabendo da sentença de execução e, desde seu anúncio, sua manutenção ficava a cargo dos irmãos da Misericórdia. Aliás, então, numa compensação eufemística e tardia, sua alimentação melhorava, liberavam-se-lhe as visitas e ele recebia pão-de-ló e até vinho do Porto.
No dia da execução, formava-se o funesto cortejo que o conduziria ao patíbulo. Ladeado por um sacerdote, por um sacristão com a bandeira da Misericórdia, pelos soldados e por um meirinho, o qual alardeava que se “iria executar a sentença”, o condenado, exposto à curiosidade pública, era conduzido para missa de corpo animado e ainda fremente na Capela dos Passos, “regalia” que recebia consternado.
Logo após, a comitiva retomava seu rumo sinistro. Sob os dobres dos sinos das igrejas, vinha descendo a Rua da Praia, hoje Andradas, até chegar ao local da forca. Lá esperavam o juiz da execução, o escrivão de Justiça, o carrasco, além de escolares e de negros cativos, levados ao local com o didático fim de constatarem que o mal não compensa. Mais tarde, levariam corretivos próprios. Dividiam espaços com a turba ávida de sangue e de desgraças alheias.
Lida a sentença, com o réu de cócoras frente a um crucifixo, ele era alçado ao cadafalso, vestindo largo casacão de algodão branco, com mãos amarradas. Um sacerdote rezava o Pai-Nosso, cujo final era a senha para o carrasco colocar o pé nas mãos manietadas e forçar os ombros da vítima para baixo, valendo-se de seus pesos. Ele estrebuchava, com olhos catapultados das órbitas, num balouçar desesperado, até silenciar para sempre o último fio de vida.
O lugar, dizem, teria ficado depois por muito tempo assombrado pelas almas desses errantes do outro mundo. Em 1857, realizou-se ali a última execução, a do pardo Florentino, que matou seu senhor Antônio Soares de Almeida Leães. Após a morte de um inocente, o imperador Dom Pedro II proibiu esse tipo de execução. Assim, o Largo da Forca ficou perdido em algum escaninho da instável memória dos homens, que vive de lembrar e, por vezes, de esquecer.
FONTES:
– Jornal Correio do Povo
– http://www2.portoalegre.rs.gov.br/vivaocentro/default.php?reg=14&p_secao=118
– Guia Histórico de Porto Alegre, Sérgio da Costa Franco, 4. ed. – Porto Alegre, Ed da RFRGS, 2006, pg. 180 e 181
– Artigo de Landro Oviedo, publicado no jornal Correio do Povo, de 03 de novembro de 2005, página 4.