O Laçador
Av. dos Estados, 1175 – São João, Porto Alegre – RS
A estátua do laçador foi idealizada em 1954 para ser o símbolo do gaúcho sendo inaugurada em 20 de setembro de 1958, no Largo do Bombeiro, seu sítio original. Em 1992 foi eleita como símbolo da cidade de Porto Alegre. Em 2007 (11 Mar) foi transferida para o atual Sítio do Laçador nas imediações do antigo terminal do Aeroporto Internacional Salgado Filho.
Oito palmeiras enfileiradas no Sítio do Laçador prestam homenagem simbólica ao “Grupo dos Oito” que, liderados por Paixão Côrtes deram origem ao Movimento Tradicionalista Gaúcho.
A idéia da criação de um símbolo para representar a figura do gaúcho surgiu no final da década de 40 quando o CTG 35 homenageou a figura do pampeano gaúcho depositando flores junto a estátua do “Gaúcho Oriental” 1. Na estatuária pública da nossa cidade não havia nada que representasse o nosso homem do campo, o peão das nossas estâncias, hábil no trato com o cavalo, perito no laço e na boleadeira.
Barbosa Lessa em seu discurso de posse no CTG 35, sobre a inexistência de um símbolo gaúcho, pronunciou as seguintes palavras: “todas as nações têm os seus heróis, e todos os grandes homens tiveram o seu monumento. Já na velha Atenas, até mesmos os obscuros escravos que morreram pela grandeza da Pátria mereceram a imortalidade de uma estátua; em nossos dias, ao lado dos mais variados monumentos a perpetuar os episódios grandiosos da vida de um povo surgiu o túmulo do soldado desconhecido. (…) “erguer um Monumento Vivo ao Gaúcho, como imperativo de gratidão para com aqueles campesinos rudes que se ofereceram em holocausto por um mundo melhor, por um mundo que seria o nosso, o mundo dos nossos filhos.” 2
Segundo José Francisco Alves “O Laçador” do escultor Antônio Caringi foi projetado para ser presenteado em gesso para a cidade de São Paulo, por ocasião do seu quarto centenário, em 1954. Alves declara que “o símbolo gerou um forte entusiasmo por parte de jornalistas, entidades tradicionalistas e setores do governo, surgindo a idéia de que a estátua fosse instalada em Porto Alegre, vertida no bronze. E foi isso que se concretizou, em 20 de setembro de 1958, quando ela foi inaugurada no Largo do Bombeiro.” 3 Para Alves a importância dessa estátua pode ser testada quando da escolha de um símbolo para a cidade de Porto Alegre em 1992. Segundo ele, o fato de O Laçador ter sido o escolhido gerou “acirradas polêmicas” no meio intelectual, mas quase nenhuma junto ao público em geral. Então ele conclui que se a obra é amada por esse público é porque deve existir um motivo que justifique. A obra consegue “encarnar a identificação de todo um povo: o povo gaúcho. Encarna não só as características culturais (fatores antropológicos) dos hábitos da cultura campeira da última região litorânea do país a ser povoada no século XVII – mas também históricas, pois o Rio Grande do Sul já foi um país “autônomo” – a República Riograndense (1836 – 1845). É importante destacar, no entanto, que no caso dessa escultura essa identificação popular é mais afetiva do que “ideológica”. 4
O folclorista Paixão Cortes relata em seu livro-depoimento “O Laçador – História de um Símbolo”, que a comissão criada no Rio Grande do Sul para representar o nosso Estado nas comemorações do IV Centenário de Fundação da Cidade de São Paulo, procurava um símbolo, “uma figura alegórica que identificasse o homem-terra rio-grandense”. O concurso público escolheria o melhor trabalho, aquele que melhor representasse a figura do gaúcho. O Boleador de Antônio Caringi foi o vencedor e, por sugestão do autor da peça, a figura poderia representar um laçador se, ao invés de boleadeiras estivesse a segurar um laço. Paixão Côrtes conta como foi o final do processo e relata o convite que recebeu de Antônio Caringi:
“De minha parte, depois de examinar uma por uma as peças, argumentei que “O Laçador” representava uma figura “viva” no contexto da formação do Rio Grande, de ontem e de hoje. Ao final, a referida ata rezava: “que o Sr João Carlos D’Avila Paixão Côrtes sugerisse, por escrito, as modificações necessárias que deveriam ser executadas na maquete do “Boleador”, determinando que se efetuasse uma seção extraordinária a fim de ser procedido o julgamento e escolha da maquete que seria erguida em São Paulo.” Caringi, em seguida, procurou-me em minha residência à rua Sarmento Leite, 101. Nesse agradável contato, e diante das ponderações que fiz sobre a sua maquete que representaria o “O Laçador”, Caringi me pediu que posasse para o traço de seu lápis. Como eu possuía uma espécie de museu: trajes típicos, laços, boleadeiras, esporas, guaiacas, tirador, cuias, bombas, etc., o escultor esteve, por várias vezes , em minha casa. Tomava detalhes de mãos, braços, gestualidades, postura e equilíbrio de tronco e pernas, peculiaridades e assentamento de cada peça ao corpo, etc. Aos 26 anos, vestia petrechos típicos do nosso vestuário (“pilchas”) e de meu uso pessoal. Postava-me posando para o mestre Caringi. Assim ele, na grandiosidade de sua alma de artista começava a criar e modelar seu “O Laçador”. 5
O Laçador e Paixão Côrtes em 1953/54 período que posou para Antônio Caringi. Fotos Genaro Joner (Zero Hora) e Sioma Breitmam.
AS VESTES DO LAÇADOR
Um texto 6 publicado em “O Laçador – Símbolo da Terra Gaúcha e sua Nova Morada ” (2008) de J. C. Paixão Côrtes, descreve as vestes de O Laçador.
1) Tirador: espécie de avental de couro curtido e sovado que identifica sobremaneira a figura do Laçador e que protege a coxa do gaúcho na hora do correr o laço no momento da sujeição do animal.
2) Laço: eu havia ganhado do velho campeiraço bageense Severino Paes um laço que, pelo seu tamanho, era bastante raro: 14 braças e trança de quatro tentos. Assim usado em razão da dificuldade que o gaúcho de antanho tinha freqüentemente para acercar-se de animais semi-selvagens, muito ligeiros e perigosos, embora o campeiro procurasse montar cavalos ‘buenos de pata’ para laçar ‘campo a fora’. Ao manusear o laço demonstrativamente para Caringi formei uma armada maior, de acordo, abrindo-a adequadamente, de tal modo que essa, na parte inferior, ficasse apoiada no solo e a segurei, junto com as demais rodilhas harmonizadas em uma só mão, à direita, enchendo-a vigorosamente. Foi uma preocupação que tive para evitar eventuais discussões.
O laço, com suas respectivas voltas não pequenas e apropriadamente enrodilhadas, não estava disposto de forma rígida, mas caía bem ao natural, pois era sovado a pealo. Arrematava as extremidades desta peça a característica ilhapa, junto da argola (grande) proporcional ao comprimento do laço de um lado e, na outra, a presilha.
3) Guaiaca: espécie de cinta de couro largo, onde, por meio de repartições, guarda-se dinheiro e documentos, e que se destina a ajustar a bombacha à cintura. Esta usada pelo Laçador teve como inspiração um modelo antigo que eu possuía: de duas fivelas, com flores em relevo (tipo fabricado por Abramo Eberle de Caxias do Sul) e discretos medalhões metálicos ornamentais em sua extensão, aspectos estes a lembrar, através de tais formas cinzeladas, o bom gosto da ourivesaria sul-rio-grandense em peças da “vestuária” gaúcha. O mesmo cabe para a fivela do tirador.
4) Bombacha: singela, sem exagero de panos, despida de plissados ou ornatos maiores (‘mondonguinhos’, ‘fofos’) e adequada às rudes lides do viver campestre. Enfim, uma bombacha como Mestre Caringi bem conhecia: não “festivalesca”. Foi dimensionada à sua sensibilidade plástica.
5) Lenço: foi disposto por Antônio Caringi em uso distinto ao do hábito atual. Seguiu modelo dantes. Mostrei-lhe como, passado ao redor do pescoço, tinha suas extremidades bem nas pontas, disposição esta que, num entrevero de ‘ferro branco’, permite ao gaúcho desvencilhar-se do lenço quando eventualmente seguro pelo desafiante durante a peleia. Em razão de o lenço ser dobrado em retângulo deviam aparecer ‘as duas mosquinhas’ (dobras angulares) às costas. O escultor deu-lhe assentamento ao seu gosto estético.
6) Camisa: simples, com gola e mangas dobradas e arregaçadas, adequadas à funcionalidade do laçar, botando a descobertos o vigor muscular dos braços e do peito seminu do campeiro, condizentes ao tipo de exercício árduo do seu trabalho quer nos parecer.
7) Botas: preferiu esculpi-las em modelo rústico, a ‘meio-pé’ (aparecendo dedos e ‘meia planta’ do pé assentada no solo), lembrando a bota ‘de garrão de potro’ modelo artesanal primitivo que lhe mostrei em peça do meu acervo museológico. Este objeto está até hoje longe da vivência campesina. Na concepção simbólica do artista a bota-de-meio-pé dá uma integração mais íntima e telúrica do homem-terra e chão nativo. O Laçador não está descalço e nem de alpargatas ou chinelos.
8) Vincha: fita estreita de pano, ou tento, disposta à cabeça, servia para prender ou sujeitar a abastada cabeleira que os gaúchos de outrora costumavam portar, cabelos estes, muitas vezes, aparados por afiadas facas. Pelos meus registros a vincha aparece com mais frequência na iconografia de ‘los gauchos cisplatinos’. Foi uma opção do escultor. Assim como o acréscimo de esporas ‘encabrestadas’ (tipo ‘chinela’ ou ‘papagaio’ virado para baixo) para dar mais assentamento plástico à figura maior, o motivo, junto ao pedestal de sustentação da estátua. A faca à cintura foi outra iniciativa sua” .
FONTES:
1 Presente da comunidade uruguaia a cidade de Porto Alegre, em 1935, de autoria de Frederico Escalada. Encontra-se instalada na extremidade norte do Parque Farroupilha junto a Av. João Pessoa.
2 Côrtes, João Carlos D’Ávila Paixão, O Laçador – História de um Símbolo, Ed. Renascença, 1994, Pg. 14
3-4 Alves, José Francisco, A Escultura Pública de Porto Alegre – História, contexto e significado, Artfolio, 2004, Pg. 67-68
5 Côrtes, João Carlos D’Ávila Paixão, O Laçador – História de um Símbolo, Ed. Renascença, 1994, Pg. 18
6 Texto http://paixaocortes.blogspot.com/
7 a 15 Imagens de Carlos Paixão Cortes
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