Um canto do Centro
Liberato Vieira da Cunha
De tanto morar no mesmo lugar, começo a desconfiar de que as coisas me conhecem. Habito há tantos anos este trecho de Porto Alegre, que antes ficava na Rua João Manoel e agora se localiza na Rua Duque de Caxias, uma distante da outra não mais que alguns metros, que me sinto um pouco parte da paisagem.
É um lindo cenário. À esquerda fica o Jardim dos Chaves Barcellos, hoje infelizmente transformado num imenso estacionamento. À direita se contempla o parque do Solar dos Câmara, com suas árvores mais do que centenárias. E um pouco adiante se situa a Praça da Matriz. Para arrematar, conto com a vista dos que talvez sejam os mais antigos jacarandás desta mui leal e valorosa. Sem falar no espelho líquido do Guaíba.
Não imagino paisagem melhor. Duvido que na Capital haja panorama mais inspirador.
Mas de tanto viver por aqui, suspeito que ruas, árvores, jardins, parques, praças me conheçam tão bem quanto eu os identifico. Sou como uma parte do palco, um senhor levemente envelhecido, embora ainda em bom estado de uso.
Há outros pontos da cidade que também me seduzem, a começar pela quadra da Fernando Machado, logo abaixo da escadaria do belvedere, que parece sequestrado de Londres. Nisso se parece com o quarteirão da Félix da Cunha, construído à sua imagem e semelhança.
Admiro igualmente todo o belo espaço da Hidráulica dos Moinhos de Vento e de algumas ruas próximas, como a Santo Inácio e a Barão de Santo Ângelo. Percorro com prazer a Floresta, com particular agrado pelas redondezas da Igreja de São Pedro.
Perdi a conta das vezes em que fui caminhar, de manhã cedo, pelas alamedas do Parque da Redenção. Nunca esqueci as ocasiões em que trilhei as travessas tranquilas da Cidade Baixa.
Porto Alegre é rica em paisagens. É também uma terra de mulheres bonitas.
A combinação não poderia ser melhor.
Mas se eu tivesse que escolher a minha região preferida, não hesitaria em optar por este canto do Centro Histórico onde decidi viver.
Aqui árvores, muros e árvores, casas e pássaros, céus e calçadas parecem me conhecer pelo nome. E eu me sinto tão próximo deles como se fossem meus irmãos. (Zero Hora, 15/02/2011)