A Casa de Correção

Há poucos meses, resquícios da história de Porto Alegre foram encontrados durante os trabalhos de duplicação da Av. Edvaldo Pereira Paiva, nas proximidades da Usina do Gasômetro, vestígios dos alicerces da Casa de Correção. A antiga cadeia demolida no início da década de 1960 foi construída em meados do século XIX, junto ao Guaíba, a fim de substituir a chamada “Cadeia Velha” localizada no Beco da Cadeia (hoje, Av. Salgado Filho), e recebeu os primeiros apenados em 1855. 

O ponto de localização da Casa de Correção era conhecido como a “Ponta da Cadeia”

UM SÉCULO DA CASA DO INFERNO

Prof. Dr. Romeu Karniokowski

A Casa de Correção de Porto Alegre foi construída à margem do rio Guaíba para substituir a Cadeia Velha em 1855, então situada no Beco da Cadeia – no final da atual av. Salgado Filho e mais precisamente na atual rua Annes Dias em diagonal com a Santa Casa – e que já havia sido desativada em 1841, pelas péssimas condições de insalubridade e maus tratos aos presos, denunciados por uma Comissão do Império em 1831, que apontou a necessidade de transferir os mesmos para um lugar mais apropriado para cumprirem suas sentenças (SZCZEPANIAK: 2005).  Segundo a historiadora Ivone Szczepaniak a autorização para a construção da Casa de Correção foi dada ainda em 1835, mas em razão da Revolução Farroupilha, só veio a ser retomada em 1845, sendo escolhida a Praia do Arsenal, na ponta do promontório da cidade, que formava um ângulo agudo no rio Guaíba e que foi selecionado por oferecer melhores condições de higiene, fácil acesso a água, solo rochoso para a base dos seus alicerces e o isolamento. Finalmente, em 1855, é concluída a primeira etapa da Construção da Casa de Correção, sendo desse modo, transferidos 195 presos que estavam detidos nas dependências do 8º Batalhão desde a desativação da Cadeia Velha em 1841 (SZCZEPANIAK: 2005). A Casa de Correção, muitas vezes também chamada de Cadeia Civil, só foi concluída em 1864, nos moldes que passou a ser conhecida, mas que na prática nunca foi inteiramente completada, o que já demonstrava desde o seu início, o desprezo do poder público quanto aos aspectos punitivos dos apenados que são designados por criminosos, delinqüentes ou bandidos ou ainda mais específicos como assassinos, homicidas, estupradores, ladrão, punguista ou vadio de acordo com a gravidade dos delitos que praticaram. Michel Foucault analisou o processo de mitigação da penas que aconteceu no final do século XVIII e meados do século XIX. As penalidades antes da Revolução Francesa (1789-1799) eram aplicadas de forma duríssimas e públicas, que na verdade, eram verdadeiros suplícios de extrema crueldade, como o de Damiens, que foi condenado a morte em 2 de março de 1757, sendo a pena realizada em praça pública, com o condenado sofrendo torturadas atrozes antes de seu corpo ser esquartejado por parelhas de cavalos (FOUCAULT: 2002). O suplicio público, resultado das condenações, tornara-se eventos vergonhosos e por isso tinham que ser substituídos por penas menos cruéis e invisíveis aos olhos dos habitantes, ou seja, as penas capitais passavam a ser substituídas pelas penas nas prisões. A substituição da pena de morte pública com suplício por penas mais mitigadas e por penas em prisões é o resultado de dois processos similares: primeiro deriva da ideologia liberal que gesta na sua concepção os pressupostos do direito natural como inerentes aos indivíduos e o direito a vida, pela primeira vez, torna-se um valor absoluto. O liberalismo trouxe, efetivamente, a valorização dos indivíduos que não podiam mais, dessa forma, sofrer penas cruéis mesmo que cometesse algum delito. As Cartas de Direitos, produzidas pelas Revoluções Americana e Francesa, como a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1790), constituem os documentos maiores da conquista liberal dos direitos. O outro processo é a consolidação do Estado-nação a partir do início do século XIX, que como resultado, desenvolveu a produção de códigos, notoriamente o Code Francês de 1804, os códigos criminais, que mais do que controlar a ordem interna, passava a definir quais as condutas que passavam a ser determinadas como delituosas. Os crimes passam, assim, a ser definidos e punidos a partir da sua identificação nos códigos penais baixadas pelos Estados- nações. O Constitucionalismo que se afirma como reflexo desses dois processos eleva a proteção dos direitos dos indivíduos, inclusive proibindo penas cruéis aos apenados. O artigo 179 da Constituição do Império de 1824 – que era o equivalente ao atual artigo 5º da Constituição de 1988 – ditava no seu item 19: desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as penas cruéis. No item 20 ditava o seguinte: Nenhuma pena passará da pessoa do deliquente. Portanto, não haverá, em caso algum, confiscação de bens; nem a infâmia do réu se transmitirá aos parentes em qualquer grau que seja. E por fim no item 21 do art. 179: As cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza de seus crimes. Portanto, os indivíduos deviam ser protegidos de penas cruéis dentro das instituições que começava a se afirmar no início do século XIX, de modo, que as prisões deveriam ser ambientes menos cruéis. A Cadeia Velha foi desativada em 1841, em razão dessa visão, pois não preenchia as determinações constitucionais dadas no item 21 do art. 179 da Constituição de 1824. Mas tão logo, a Casa de Correção (Cadeia Civil) começou a funcionar, os velhos vícios da Cadeia Velha foram se instalando que com o andar do tempo foram se tornando mais cruéis, sendo adotados como uma condição quase natural dos presos ou apenados. Desta forma, passados pouco mais de quarenta anos da sua inauguração, a Casa de Correção já demonstrava todas as formas de degradação tanto dos apenados bem como das suas instalações.

FONTE:

http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2013/08/estruturas-da-casa-de-correcao-aparecem-em-obra-no-centro-na-capital-4236477.html