Meu primeiro olhar
Meu primeiro olhar sobre Porto Alegre aconteceu no final do ano de 1944. Eu e minha irmã Belonir, a quem chamávamos de “Nona”, ganhamos a viagem de presente de nosso pai, por mérito escolar. Morávamos na localidade de Dilermando de Aguiar, 2º Distrito de Santa Maria onde pegamos o trem da fronteira às três e meia de uma tarde de verão. O trem tinha um belo conforto para a época, com vagões de primeira, bancos estofados, e de segunda, bancos de madeira. Além disso, havia as conveniências de um vagão restaurante.
A viagem até Santa Maria foi curta. Chegamos às cinco e meia da tarde. Nosso próximo objetivo era tomar o trem noturno que saía de Santa Maria da Boca do Monte às oito e meia da noite com destino a Porto Alegre. O trem noturno tinha um diferencial em relação ao outro, era provido de cabines dormitório. A viagem durou dez horas com direito a jantar no vagão restaurante, regado à gasosa, uma bebida chique para a época. Ficamos tão contentes em provar aquela novidade que, se o passeio terminasse ali, para nós já teria valido à pena.
O trem chegou à capital às seis horas da manhã do dia seguinte. Aos poucos fomos enchendo os olhos com a paisagem, como se uma cortina estivesse lentamente se abrindo. A primeira coisa que chamou a minha atenção foi a quantidade de canoas e pequenos barcos à beira do rio, a variedade de tamanhos, a diversidade de cores. De um dos barcos a fumaça saia por uma chaminé, certamente alguém estava preparando um café.
A cadência do trem foi diminuindo e logo paramos na estação. O burburinho do vaivém das pessoas não chegou a ser novidade depois de passarmos por Santa Maria, que era o grande entroncamento ferroviário do estado por centralizar as linhas férreas de diversas regiões. O pitoresco ficou por conta dos “mensageiros” que, aos gritos, faziam propaganda dos hotéis. Nosso pai decidiu pelo Hotel Itália, um prédio, se bem me lembro, de três andares.
Depois de instalados, saímos para ver mais Porto Alegre. Passamos pelo mercado e subimos a Borges de Medeiros para conhecer o Viaduto Otávio Rocha. Subimos pelas escadarias até a Rua Duque de Caxias para ver os bondes e as pessoas passando por baixo. Eu e minha irmã guardávamos a expectativa por andar de bonde. Nosso pai escolheu um da linha do Gasômetro, passeio que, segundo ele, era o mais apropriado. Conhecemos a usina do gasômetro e o pavilhão da cadeia pública, que ficava junto a usina. Dali fomos levadas a conhecer o prédio do banco da província (hoje Santander) onde nosso pai, Rosalino, havia trabalhado.
Mas o que mais ficou guardado na memória foi o nosso passeio pela Rua da Praia. Os automóveis estacionados na diagonal das calçadas me pareceram todos iguais. Uma multidão de pessoas num interminável ir e vir. Os homens usavam chapéu e gravata, o que lhes emprestava, no meu olhar de adolescente, uma certa sobriedade, um ar solene. E as mulheres eram todas lindas no vestir. Os chapéus, usados como adorno, faziam diferença no visual. Os vestidos, longos. Algumas levavam consigo uma pequena bolsa ou carteira e usavam luva. No centro da cidade as ruas eram repletas de carros e de gente, mas o ajuntamento maior era mesmo na Rua da Praia. Havia clubes, como o do Comércio, restaurantes, confeitarias, cafés como o Colombo, e o comércio. Nas vitrines o que mais chamou a nossa atenção foram os vestidos, os sapatos, as capas de gabardine.
Naquele momento eu não imaginava que nós voltaríamos quatro anos depois para morar na cidade em definitivo. Não imaginava que seria em Porto Alegre que eu iria morar, casar, ter meus queridos filhos, e ser feliz.